Para fechar os posts relacionados ao Liberation Festival, que aconteceu esse último domingo em SP, eu não poderia deixar de fazer uma pequena resenha sobre o show do King Diamond, sem dúvida a atração mais esperada de todo o cast do evento.
Como muitos não vão ter saco para ler tudo, vou classificar o show como: "Satanicamente maravilhoso".
Porém, para aqueles que querem saber um pouco mais de como foi a esperada volta do Rei ao Brasil, vamos lembrar alguns detalhes.
Antes de mais nada é preciso deixar bem claro que o King Diamond nunca cantou tão bem (ao vivo) como agora. Nem durante os primórdios do Mercyful Fate suas performances soavam tão precisas, dinâmicas e claras, sem nunca forçar demais ou se perder nos falsetes. Em uma comparação mais direta, podemos dizer que sua performance nesse domingo faz as históricas apresentações do Mercyful Fate e do King Diamond no Monsters of Rock de 1996, em São Paulo, soarem cansadas e muito mais amadoras (nesse quesito), por mais maravilhosos e inesquecíveis que aqueles shows tenham sido. Sua recuperação após a cirurgia e os graves problemas no coração de 2010 foi realmente impressionante.
A produção do show foi excelente. Com diferentes backdrops de fundo (posicionados de uma forma que realçaram a sensação de profundidade), iluminação intensa e bem ensaiada e o mesmo palco visto nos festivais europeus nos últimos anos, ninguém pode dizer que a banda não trouxe seu backline completo para o Brasil (o que infelizmente acontece em muitos casos).
O baterista Matt Thompson, foi muito eficiente. Com sua Tama montado com uma disposição bem old school, ele confirmou ser o mais eficiente baterista que a banda teve após a fase dos mestres Mikkey Dee e Snowy Shaw (dois dos melhores e mais originais bateristas de Heavy Metal tradicional de todos os tempos). Matt honrou, nota por nota, o primoroso trabalho de Mikkey no
álbum original, mesmo sem ter toda técnica e feeling que fazem de Mikkey um batera único.
Podemos dizer que o, relativamente, recém chegado Pontus Egberg manteve a tradição de baixistas extravagantes que o King Diamond sempre teve. Me pareceu uma mistura do Cronos (Venom), na parte estética, com uma performance de palco totalmente inspirada nos antigos baixistas da banda, Timi Hansen e Hall Patino.
Parece que o destino do ótimo Mike Wead é substituir o eterno Michael Denner (um dos meus guitarristas favoritos de sempre). Além de o ter substituído no Mercyful Fate, agora tem que executar todos os solos do Denner no clássico Abigail. Desse, Wead herdou o estilo de solos emotivos, além de toda aquela silenciosa discrição. Porém, com uma pegada muito mais forte e
precisa para as bases (onde Denner sempre foi, assumidamente, relapso e "sleazy") Wead acrescenta bastante na performance ao vivo da banda. Poderia dizer que foi uma atuação perfeita, se não fosse o mesmo improvisar um pouco demais naquele que é, disparado, o melhor e mais belo solo
de Michael Denner no álbum: o da seção final de "Black Horsemen" (aliás, vale lembrar que a atuação de Denner no Abigail original, embora longe de ser fraca, é uma das menos inspiradas de toda sua carreira. Diretamente confrontado com a estrela em ascensão Andy LaRocque, que na época trazia muitas inovações técnicas para a guitarra, Denner tentou se superar nesse quesito e acabou perdendo, um pouco, o que lhe era mais especial: os
solos cheios de sentimento e emoção. Parece que o mesmo canalizou toda essa para o solo de "Black Horsemen", esse sim, no mesmo nível dos seus melhores momentos no Mercyful Fate). Mesmo com esse mínimo deslize, Wead (que desde os primórdios do Memento Mori sempre nos deu grandes trabalhos) continua sendo o único guitarrista do mundo que pode substituir decentemente o Denner. Algo que faz muito bem desde 1998.
Falar de Andy LaRocque é a mesma coisa que falar de King Diamond. Tão importante quanto King para a sonoridade da banda em si, Andy mostrou em sua performance ao vivo a mesma seriedade, capricho e perfeição, que sempre demonstrou em cada nota tocada em todos os álbuns de estúdio da
banda. O maior destaque individual do show, depois do King Diamond (claro). O maestro da banda!!
O set list foi ótimo, mesclando clássicos da banda, clássicos do Mercyful Fate e o Abigail na íntegra. Talvez eu trocasse a superestimada "Halloween" (sim, os fãs adoram e é uma das que melhor funcionam ao vivo, mas prefiro outras...) por "The Invisible Guests", "At the Graves" ou a ótima e esquecida "From The Other Side". Também acrescentaria mais um clássico do Mercyful para fechar o show ("Evil" ou "Curse of the Pharaohs"), mas o que tivemos já bastou! Eye of the Witch foi maravilhosa. Uma versão poderosa, pesada e densa de "Melissa" deixou muitos que, como eu, ouviram essa pérola pela primeira vez em meados dos anos de 1980 em algum cassete mal gravado, com os olhos lacrimejantes (mais fácil falar: chorei pra caralho).
O lado teatral do show também merece ser lembrado, com todas as encenações e atrizes necessárias para se criar o clima de um dos álbuns/história mais incríveis da história do Metal. A cena de King interpretando "O'Brian of the Black Horsemen" e cravando a faca na pobre Abigail é clássica!!
O público foi sensacional durante o show inteiro, cantando todas as músicas e deixando King, visivelmente, emocionado no final.
Como nada na vida é 100% perfeito e para manter meu lado chato e ranzinza, notei alguns pequenos problemas, que citarei agora (mas que não atrapalharam em NADA o desenvolvimento do show, é importante lembrar).
Na primeira música, "Welcome Home", a guitarra do Wead parou por alguns longos segundos, deixando toda a segunda seção de Lead Breaks apenas com a guitarra do LaRocque. Com isso a parte rápida ficou bem vazia, mas felizmente o problema logo foi sanado.
A banda atravessou feio na entrada da música "Abigail". Não posso afirmar o motivo, mas penso que o Matt Thompson pulou um compasso no final da intro. Independente de quem tenha sido a culpa o nosso King não gostou nada, lançando olhares meio fumengantes em seguida. Algo do tipo "quem cagou nessa porra?"
O som estava muito bom. Alto e com uma timbragem geral 100% baseada na versão original do Abigail. Ou seja, com bastante reverb (embora ainda menos que no álbum original) e um som de caixa bem grave. Na minha opinião faltou um pouquinho de frequências médias no som da caixa e na EQ final do PA. Esse médio daria um pouco mais de vida na harmonia e evitaria da caixa sumir em certos momentos dentro da massa sonora. Mas como falei isso é apenas um detalhe e, no geral, o som estava excelente (e bem melhor que nas outras bandas. Na realidade o som do festival só ficou ótimo do meio da apresentação do Lamb of God para frente).
Uma observação final. Sei que é algo que a grande maioria das pessoas sequer conhece a existência, mas adoro o hábito do técnico de som de muitas bandas clássicas tocar sempre uma música que influenciou a banda que vai se apresentar a seguir (ou que a banda curte muito, de uma forma geral). Rapidamente posso lembrar de vários exemplos assim: Slayer com "Diary Of A Madman" do Ozzy antes da intro de Raining In Blood na Tour do Divine Intervention em 1994, Anthrax, com Bitter Peace do Slayer, em 2006, KISS com The Who ou Iron Maiden com Doctor Doctor do UFO. No show do King Diamond a música "chave" para a intro foi a belíssima "The Wizard" da maior influencia do Rei, Uriah Heep.
SET LIST
Pré-Intro - The Wizard (Uriah Heep song - VS)
VS - Out from the Asylum (VS)
01 - Welcome Home
02 - Sleepless Nights
03 - Halloween
04 - Eye of the Witch
05 - Melissa ((Mercyful Fate)
06 - Come to the Sabbath (Mercyful Fate)
VS - "Them" (VS)
Abigail Completo
VS - Funeral (VS)
07 - Arrival
08 - A Mansion in Darkness
09 - The Family Ghost
10 - The 7th Day of July 1777
11 - Omens
12 - The Possession
13 - Abigail
14 - Black Horsemen
VS - Insanity (VS)
Fotos: Silvio Martins Machado e Givaldo Menezes